quarta-feira, 2 de agosto de 2023

A Umbanda em Guarapari - A História de Leonor Gomes

 

A Tenda Espírita Pai João foi inaugurada no final da década de 1960, na conhecida Rua da Marinha, no bairro Itapebussu. Com uma estrutura semelhante ao terreiro conduzido pela Mãe Maria José, a tenda era ainda maior em largura e comprimento. Devido ao número de médiuns que abrigou e às grandes Giras festivas realizadas durante o tempo em que esteve aberto tornou-se tão famoso quanto o Templo Espírita Caboclo Pena Verde inaugurado pela professora Maria José. Era o terreiro construído pelas mãos de Placedino Marques, marido de Leonor Maria Gomes.
Leonor teve uma trajetória parecida com a de Maria José, o que explica a empatia que havia entre as duas amigas de infância. Órfã ainda na adolescência abraçou para si a tarefa de cuidar das quatro irmãs mais novas e de manter o equilíbrio emocional de outros três irmãos. Nascida em Anchieta, no Espírito Santo, chegou à cidade vizinha Guarapari e estabeleceu-se em casa de um dos irmãos que já estava casado levando consigo uma de suas irmãs. Mas, a estadia demorou pouco tempo. Sua cunhada era dona de um temperamento forte e por vezes aconteciam acirradas discussões domésticas. Numa dessas brigas, Leonor e a irmã Maria da Penha foram expulsas pela cunhada e tiveram suas roupas jogadas no meio da rua. Leonor foi abrigada pela então professora do colégio Guarapari, Maria José.
Durante o tempo em que esteve morando com a professora, Leonor aprendeu a costurar e conheceu Placedino Marques, pedreiro muito conhecido na cidade, com quem se casou mais tarde. Ao lado do marido, Leonor ergueu na região central da cidade uma pensão que recebia os turistas que passaram a freqüentar o município a partir do período de expansão da cidade na década de 50. Gentes de todas as partes passavam os verões em Guarapari, famosa no país pela propriedade curativa das areias monazíticas da Praia da Areia Preta. Da pensão, a anchietense assegurava o sustento para si e para as irmãs e sobrinhos que ajudou a criar.
Leonor fora criada na tradição católica da família anchietense, mas era muito curiosa acerca da vida além corpo. Quando adolescente, participava de eucaristias e procissões católicas. Numa dessas ocasiões, interpretou a Virgem Maria na procissão do dia de Nossa Senhora da Conceição. Entretanto, a educação religiosa recebida na infância e na adolescência não impediu a jovem de buscar respostas sobre a vida espiritual. Conforme relatos de alguns conterrâneos, Leonor participava de verdadeiras excursões em direção ao bairro Lameirão ao lado de outros curiosos, dentre eles a Anna Castro Martins, telefonista de Guarapari que iria desempenhar grande trabalho espiritual e caritativo em nome da Umbanda. No bairro Lameirão morava o homem conhecido pela alcunha de Sr. Pimentel o qual realizava sessões espirituais particulares e muitos moradores de Guarapari iam até sua casa para pedir orientações, benzimentos e remédios curativos. Foi por intermédio da curiosidade de Leonor que a amiga Maria José foi curada de um mal súbito que lhe acometeu quando ainda era professora.
Preocupada com a voz de Maria José que subitamente havia faltado, Leonor a aconselhou a sair em visita a um famoso médium curador que estava na capital Vitória. E foi também graças ao interesse pelas coisas do Espírito que Leonor conheceu em sua pensão a mulher que mais tarde seria de crucial importância para sua mediunidade e para o desenvolvimento da religião de Umbanda em Guarapari.
A cura e o retorno da voz acenderam na professora Maria José o interesse pelo ritual mediúnico que ela chamava de espiritismo. A partir do restabelecimento da saúde, Maria José passou a ceder a cozinha de sua residência para que Anna Castro pudesse incorporar o Caboclo Sucupira, o qual já era conhecido entre os moradores de Guarapari.
Em 1962, a mulher carioca conhecida como Dona Liquinha, ou Maria Angélica Brandão, hospedou-se na pensão de Leonor e ambas iniciaram uma forte amizade desde então. Quando visitava Guarapari, no verão, Dona Liquinha saía do Rio de Janeiro trazendo as filhas e todas ficavam hospedadas na pensão de Leonor. Dona Liquinha não escondia sua orientação religiosa e logo Leonor ficou sabendo que ela era Chefe de Terreiro. A novidade encheu os olhos de Leonor de uma alegria intensa. Essa alegria levou Leonor a apresentar Dona Liquinha para Maria José. Desse encontro, revelou-se a missão de Maria José ao mundo. Cabia a ela a tarefa de iniciar o trabalho caritativo de Umbanda e a de levantar um altar em sua propriedade. Em 1964, Maria José deu início ao terreiro de Umbanda do Caboclo Pena Verde, tendo como médium em desenvolvimento a amiga Leonor. Placedino, marido de Leonor, ajudou a construir também o Templo Pena Verde inaugurado em 1967.
Leonor e seu marido integraram a corrente espiritual de Maria José durante certo tempo, até que o Pai João, entidade que se manifestava através da mediunidade de Dona Liquinha, outorgou-lhe a incumbência de erguer outro templo na cidade. Já nessa época, Leonor incorporava o Caboclo Sereno, Espírito dócil, porém rigoroso quanto à seriedade dos trabalhos umbandistas. A missão de Leonor não foi bem interpretada por alguns irmãos de fé. Foi atribuída a ela e ao marido a pecha de invejosos e dissidentes.
Anna Castro havia deixado a erraticidade dos trabalhos e, nesse tempo, o Centro Espírita Santo Antônio de Pádua já estava estabelecido na Rua Getúlio Vargas, no centro da cidade. O terreiro comandado por Maria José também já era conhecido de todos. Mas, a expansão da religião de Umbanda em Guarapari estava apenas começando. Essa expansão era vista com bons olhos pela Espiritualidade Maior.
O terreiro deveria ficar parecido com a Tenda Espírita São João Batista que ela comandava à rua Patagônia, nº 42, no bairro da Penha, Rio de Janeiro.
Em junho de 1968, em uma bela cerimônia que ficou gravada na memória de inúmeros simpatizantes e seguidores da religião de Umbanda, a Tenda Espírita Pai João foi inaugurada sob as ordens e direção do Pai João e da Velha Rosa, Entidades incorporantes da Mãe de Santo Liquinha. É enorme a quantidade de pessoas que guarda da mente e no coração a festa de grande pompa que teve lugar na Rua da Marinha quando da inauguração do terreiro de Umbanda.
A Tenda Espírita Pai João era deveras muito semelhante ao erguido por Maria José no bairro Ipiranga. A semelhança era tanta que dava a impressão de que ambos pertenciam à mesma pessoa. A diferença, porém estava no tamanho e na decoração do altar. A Tenda Pai João era maior e a parede por detrás do altar possuía uma pintura que lembrava o firmamento. Havia também sob o altar uma pequena queda d’água que descia ininterrupta formando uma cachoeira em miniatura. A cachoeirinha formava um lago decorado com plantas vivas e pedras naturais. A Tenda também possuía maior espaço para a assistência que ficava sentada logo atrás dos tablados construídos para os ogãs de toque. A cantina que ficava na entrada do terreiro tinha a aparência de uma antiga casa de madeira. Foi decorada para se parecer com uma pequena cabana do período colonial. Ganhou o título de Cabana de Pai Tomé. A Cabana do Pai Tomé era, ao mesmo tempo, cantina e cozinha especial para a preparação dos alimentos ritualísticos.
Uma grande parte dos médiuns que freqüentavam o Templo Pena Verde mudou-se para a Tenda de Pai João e, pouco tempo depois da inauguração, Leonor foi chamada pela Mãe Liquinha para passar uma longa temporada de vários meses no Rio de Janeiro. Mal sabia ela que algo muito importante estava sendo preparado pela Espiritualidade Maior.
Leonor hospedou-se em casa de Dona Liquinha e recebeu muitas instruções acerca do terreiro recém inaugurado e do ritual que deveria ser seguido pelos médiuns da Tenda. Também recebeu orientações sobre as oferendas e obrigações aos Orixás. Logo após o retorno do Rio de Janeiro, entretanto, a primeira de muitas provações pelas quais Leonor passaria teve início a partir de alguns médiuns da corrente espiritual que, descontentes com o espírito de liderança da médium, enredaram um boato sobre as suas reais intenções. Achavam todos que Leonor queria mandar no terreiro e sobrepujar a autoridade de Mãe Liquinha. Nesse ínterim, o Pai João determinou que Mãe Liquinha viajasse o mais rápido possível até Guarapari e que todos os médiuns se encontrassem no terreiro para uma reunião extraordinária.
No dia marcado para a reunião, o Pai João desceu diante dos médiuns e ordenou que fossem colocados alguns bancos no meio do Congá e que todos se assentassem. O Pai João revelou então que a partir daquela data a médium Leonor iria conduzir os trabalhos da Tenda. Depois de uma longa explanação e exortação acerca do ato traidor de determinados filhos da corrente, o Pai João dirigiu-se a cada médium individualmente. Com autoridade, a Entidade dizia a cada um que se retirasse do Congá e se assentasse nos bancos destinados aos consulentes. Por fim, apenas Leonor, Placedino e outra médium permaneceram nos bancos posicionados dentro do Congá. Pai João então falou, diante dos olhos estupefatos de Leonor, que daquele dia em diante todos os que estavam sentados do lado de fora do Congá não pertenciam mais ao quadro mediúnico da Tenda de Pai João e que deveriam se retirar do terreiro imediatamente.
Assustada, Leonor perguntou ao Guia como seria a Tenda a partir daquela data. Pai João tranqüilizou a médium e disse que não se preocupasse, pois dentro em breve o terreiro estaria novamente repleto de médiuns confiáveis e cheios de amor no coração. E assim, Leonor passou a ser a Dirigente da Tenda Espírita Pai João, tendo à sua mão direita o marido Placedino, encarregado desde então a ser o zelador do terreiro e Cambone do Caboclo Sereno, agora Guia-Chefe da Tenda.
Com o crescimento econômico da cidade, muitos hotéis foram construídos e Mãe Leonor decidiu que deveria abandonar a pensão e transformá-la em lojas comerciais. Assim, a pensão que abrigara muitos turistas deu lugar a diversas lojas. Placedino e Mãe Leonor levantaram então o Restaurante Lagostão que se tornou conhecido e bastante freqüentado por turistas de várias partes do País.
Mãe Leonor dividia seu tempo entre o restaurante e o terreiro de Umbanda, cujas festas de Cosme e Damião, São Jorge, São João e São Sebastião levavam muitos simpatizantes à Tenda. Também ficaram famosas as jangadas feitas de pita que levavam barquinhos em tamanho natural repletos de flores nas oferendas à Iemanjá.
As oferendas para Iemanjá aconteciam na Praia da Areia Preta, nas festas de fim de ano à beira mar. Entre 1970 e 1980 os festejos e as cerimônias dedicadas a Iemanjá lotavam toda a orla do Centro de Guarapari. Muitas pessoas desciam até à Praia da Areia Preta para ver os umbandistas cantando pontos, curimbando ao som dos atabaques e recebendo seus Guias ao ar livre, diante de uma imensa platéia de curiosos e simpatizantes da religião.
Foi a partir de 1980 que o calvário de Mãe Leonor começou de fato a tomar proporções inigualáveis. Apesar de tão querida por todos os que freqüentavam a Tenda de Pai João e de ser guiada pelo amável Caboclo Sereno, Mãe Leonor enfrentou e atravessou quase que sozinha uma imensa provação. Nessa época, sua mentora e Mãe de Santo, Dona Liquinha já havia falecido. Placedino, o maior apoio de Mãe Leonor, entrou num estado de decadência espiritual que acabou por refletir na vida emocional e financeira da esposa.
Trabalhando no serviço público, Placedino envolveu-se com diversos alcoólatras, os quais por sua vez influenciaram negativamente o cambone do Caboclo Sereno. A queda começou com as faltas freqüentes às Giras que aconteciam aos sábados. Passou a ser rotina a abertura de trabalhos sem a presença do braço direito de Mãe Leonor.
A situação piorou quando a bebedeira de Placedino passou a ser diária. Todos os dias, Placedino chegava em casa transformado pelo álcool, na hora das refeições ou no meio da tarde. As brigas e as discussões acaloradas eram constantes, ao ponto de chegar à agressão física contra a própria Mãe Leonor. Certa vez, ela recebeu sobre o seu corpo um prato cheio de feijão quente arremessado pelo marido furioso. Sofrendo com toda aquela situação, Mãe Leonor viu a sua vida de tantas lutas entrar num turbilhão de acontecimentos ruins. O choro, antes das sessões de Umbanda, era inevitável. De vez em quando, o terreiro ficava de portas fechadas nos dias de Gira. Mãe Leonor, envolvida com as confusões provocadas pelo marido, não encontrava forças para sequer sair de casa, no Centro da cidade, e dirigir-se ao bairro onde a Tenda estava estabelecida. A dor aumentou quando Mãe Leonor descobriu que o marido a traía, o que poderia explicar o motivo de tantas brigas e tantas palavras de ofensa proferidas pelo homem bêbado. Foi a partir desse constante e diário sofrimento que Mãe Leonor tomou a triste decisão de fechar a Tenda de Pai João por tempo indeterminado.
Depois disso, o caos tomou conta da vida de Mãe Leonor e sua família. As brigas saíram do limite doméstico e atingiram o comércio mantido pelo casal. Alcoolizado, Placedino invadia o restaurante e expulsava os fregueses sem que eles pagassem o consumido. O restaurante, outrora tão bem freqüentado, agora só acumulava dívidas. A única solução era vender o estabelecimento. Teve início também uma trajetória de venda das lojas por preços muito abaixo do mercado imobiliário, o que trouxe para o casal grande prejuízo e ruína. E, assim foi feito com todos os imóveis do casal Leonor e Placedino. Lojas, casas e terrenos conseguidos depois de tanto suor e trabalho foram desaparecendo das vistas de todos que, assombrados, não entendiam o porquê de tamanha decadência.

O Terreiro de Umbanda, o último bem e, certamente, o mais precioso de todos ainda resistia à tempestade que se abateu sobre a Mãe de Santo Leonor Gomes. Porém, em 1986, a Tenda Espírita Pai João foi vendida. O terreiro de Umbanda da Rua da Marinha encerrou definitivamente suas portas para transformar-se em residência comum. Mobília, material ritualístico, imagens e demais utensílios usados nas Giras foram jogados ao mar, na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro.
Divorciada e vivendo modestamente, Mãe Leonor não se desesperou com a situação. Sofreu resignada e em silêncio todas as adversidades que lhe sobrevieram. Apesar de tão grande desgosto, procurava manter vivo um sorriso nos lábios. Sua integridade não sofreu abalo. Sua visão prática da vida a mantinha sóbria e totalmente lúcida. Mesmo depois da morte súbita do ex-marido, Mãe Leonor, ou Nonô – como era chamada pelos amigos e parentes -, permanecia com a cabeça levantada e não entregava os pontos.
Nascida em 18 de dezembro de 1928, Leonor Maria Gomes Marques gozou os remanescentes dias de sua vida ao lado dos netos e bisnetos, seus últimos e maiores bens que possuía na terra. Os médicos diagnosticaram, após vários exames, que Nonô sofria de “coração grande”, ou na linguagem científica, cardiomegalia, que causa o crescimento do tamanho do coração em proporções anormais. A descoberta do problema provocou sua internação repentina para uma possível cirurgia.
Internada num hospital de Cachoeiro do Itapemirim, cidade natal de Roberto Carlos, o cantor por quem nutria a maior admiração, Nonô pediu que irmãs e sobrinhos fossem visitá-la antes da cirurgia a que ia se submeter. Sorrindo, como sempre, abraçou a todos os que a visitaram, dando palavras de conforto e carinho. Entretanto, o Enorme Coração de Mãe Nonô não resistiu à cirurgia e, finalmente, no dia 14de julho de 2007, faleceu aos setenta e oito anos de idade, deixando saudades e pesares de parentes, amigos e filhos de terreiro que tiveram o privilégio e a honra de conviverem com tão doce criatura.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Linha da Evolução - Obaluayê

Obaluayê (em iorubá: Ọbalúwáiyé), ou, simplesmente Obaluaiê é o orixá da cura em todos os seus aspectos, da terra, do respeito aos mais velhos e protetor da saúde. É chamado sempre que necessário para o afastamento de enfermidades. 

Todo esforço para manter o equilíbrio mental, físico, emocional ou espiritual também é uma forma de cultuar este orixá. Como as coletividades também adoecem, todo esforço para aqueles que nos cercam ou para melhorar o mundo em que vivemos também é uma forma de cultuar Obaluaiê. Ao contrário do que pensam, ele não é o deus da morte, dos mortos, do cemitério ou das almas que lá habitam. O que acontece, é que por ser o orixá que promove a cura para as enfermidades, automaticamente ele está sempre próximo a Iku (orixá responsável por tirar a vida), pois ele promove a cura para aqueles que estão perto da morte.

Com a aglutinação de Orixás  promovida pela diáspora africana, Obaluaiê é constantemente confundido com Sapatá, o vodum da tradição da Nação Jeje , e especialmente com o orixá Omolu e difundido até que são a mesma divindade. Esse equívoco ocorre principalmente, pelo motivo de os dois orixás terem domínios sobre a cura e doenças, e os dois usarem Xaxará (cetro feito com palha de dendezeiro). Outro fator que promoveu essa confusão, é que Obaluaiê é uma flexão dos termos: Oba (rei) – Oluwô (senhor) – Ayiê (terra), ou seja, “Rei, senhor da Terra”. Omulu também é uma flexão dos termos: Omo (filho) – Oluwô (senhor), que quer dizer “ Filho e Senhor”.

Tradicionalmente, Obaluaiê, o mais moço, é o guerreiro, caçador, lutador. Omulu o mais velho, é o sábio, o feiticeiro, guardião. Porém, ambos têm a mesma regência  e influência. No cotidiano significam a mesma coisa, têm a mesma ligação e são considerados a mesa força da natureza. Outro resultado da diáspora foi a adição de palhas em suas vestimentas, resultante pela mistura de cultos com o vodum Sapatá e com o orixá Omolu, que originalmente usam palhas, diferente de Obaluaiê, que em seu culto original não usa.

O calor também é uma propriedade de Obaluaiê, como a febre, o corpo esquentando para expulsar uma doença, é Obaluaiê agindo no corpo do ser humano, assim como o calor que vem das profundezas da terra. Por isso, todo tipo de sacrifício ou oferenda para Obaluaiê deve ser feito durante o dia, nunca a noite, quando a temperatura está mais alta.

Seus poderes e as magias de seu culto são usados contra todo tipo de enfermidades, mas particularmente contra as doenças de pele, inflamações, e doenças transmitidas através do ar que possam causar epidemias. Também são usadas para curar pessoas com problemas de convulsão, epilepsia e catalepsiaO mês de agosto na Umbanda é dedicado a Obaluayê, quando os terreiros enchem de pipoca e saúdam este grande Orixá da Cura.

Obaluaiê é uma flexão dos termos: Oba (rei) – Oluwô (senhor) – Ayiê (terra), ou seja, “Rei, senhor da Terra”. Omulu também é uma flexão dos termos: Omo (filho) – Oluwô (senhor), que quer dizer “ Filho e Senhor”. Obaluaê, o mais moço, é o guerreiro, caçador, lutador. Omulu o mais velho, é o sábio, o feiticeiro, guardião. Porém, ambos têm a mesma regência  e influência. No cotidiano significam a mesma coisa, têm a mesma ligação e são considerados  a mesma força da natureza.

Acredita-se que Obaluaiê e Xapanã (Orixá oriundo de Empé) são a mesma divindade por serem relativamente semelhantes, mas mesmo assim, com algumas diferenças. Costuma-se dizer que o nome Xapanã é tabu, preferindo-se referir-se a ele como Obaluaiê ou Omolu, ainda que no Batuque do Rio Grande do Sul este nome seja pronunciado de maneira genérica. Enquanto Xapanã é o orixá que foi criado por Olodumarê e desceu para o Aiê para ajudar a criar o mundo, Obaluaiê é o homem, que teve uma vida própria, normal, mas que se tornou orixá pelo seus poderes (iguais aos de Xapanã) e pela sua sabedoria (Referência: "Notas sobre os Orixás e Voduns" - Pierre Verger).

Outra teoria é que Obaluaiê seria uma encarnação de Xapanã. Tem-se então que seu verdadeiro nome seja Xapanã (em iorubá, varíola), e que dizer esse nome poderia causar varíola àquele indivíduo, ou até mesmo causar uma epidemia de varíola na cidade. Portanto, o nome Xapanã era usado somente durante os rituais litúrgicos.

Obaluaiê possui total controle sobre o ajogum Arum (doença), em que afasta este ajogum (seres que lutam contra a humanidade) da pessoa e das comunidades quando chamado, mas que também pode ser seu grande aliado quando decide punir alguém, por roubar, ser mau-caráter, etc. E principalmente pelas coisas que este orixá mais condena, que é o envenenamento, a mentira e a feitiçaria. Por este motivo, em terras africanas o ibá de Obaluaiê sempre fica afastado das cidades, para que este orixá não puna as pessoas que agirem de forma que ele decida que mereça uma punição.

Obaluaiê (ou Omulu) é o Sol, a quentura e o calor do astro rei. É o Senhor das pestes, das moléstias contagiosas, ou não. É o rei da Terra, do interior da Terra, e é o Orixá que cobre o rosto com o Filá (de palha da Costa), porque para os humanos é proibido ver seu rosto, pela deformação feita pela doença, e pelo respeito que devemos a este poderosíssimo Orixá.

Obaluaiê rege a saúde, os órgãos e o funcionamento destes. A ele devemos nossa saúde e é comum, nas Casas de Santos, se realizar os Eboris de Saúde, que fazem pra trazer saúde para o corpo doente. O órgão central da regência de Obaluaê é a bexiga, mas está ligado a todos os outros. Ele trata do interior, fundamentalmente, mas cuida também da pele e de suas moléstias. Divide com Iansã a regência dos cemitérios, pois ele é o Orixá que vem como emissário de Oxalá para buscar o espírito desencarnado. É Obaluaiê (ou Omulu) que vai mostrar o caminho e servir de guia para aquela alma.

Obaluaiê também é o Senhor da Terra e das camadas de seu interior, para onde vamos todos nós. Daí a ligação que tem com os mortos, pois ele é quem vai cuidar do corpo sem vida, e guiar o espírito que deixou aquele corpo. O sol também tem a sua regência. Ele também é o Calor provocado pelo sol quente. Há quem diga que não se deve sair à rua quando o Sol está quente sem a proteção de um patuá, a fim de não correr o riscos e não sofrer a ira de Obaluaiê, geralmente fatal.

Obaluaiê está presente em nosso dia-a-dia, quando sentimos dores, agonia, aflição, ansiedade. Está presente quando sentimos coceira e comichões na pele. Rege também aqueles que tem problemas mentais, perturbações nervosas. Está presente nos hospitais, casa de saúde, ambulatórios, postos de saúde, clínicas, sempre próximo aos leitos. Rege os mutilados, aleijados, enfermos. Ele proporciona a doença mas, principalmente, a cura, a saúde. É o Orixá da misericórdia.

Obaluaiê é a força da Natureza que rege o incômodo de um modo geral. Rege o mal estar, o enjôo, o mal humor, a intranqüilidade. É o Orixá do abafamento e está presente nele, bem como na má digestão e na congestão estomacal. Gera o ácido úrico e seus efeitos.Obaluaê está presente em todas as enfermidades e sua invocação nessas horas pode significar a cura e a recuperação da saúde.

Seus instrumentos são a lança, indicando sua ligação com a guerra (já que quando humano era um guerreiro), uma pequena cabaça com feitiços para dar às pessoas que estão doentes e o xaxará (Sàsàrà), espécie de cetro de mão, feito de nervuras da palha do dendezeiro, enfeitado com búzios e contas, em que ele capta das casas e das pessoas as energias negativas, bem como "varre" as doenças, impurezas e males sobrenaturais. Esta representação nos mostra sua ligação a terra. Na Nigéria, os Owo Érindínlogun adoram Obaluaiê e usam, no punho esquerdo, uma tira de Igbosu (pano africano) onde são costurados cauris esó (búzios).

No Brasil, com a mistura do culto de Obaluaiê com orixás que usam palhas, ele usa uma vestimenta de palhas de ìko, é uma fibra de ráfia extraída do Igí-Ògòrò, a palha da costa, elemento de grande significado ritualístico, sua presença indica que algo deve ficar oculto. É composta de duas partes: o "filá" e o "azé". A primeira parte, a de cima, que cobre a cabeça, é uma espécie de capuz trançado de palha da costa, acrescido de palhas em toda sua volta, que passam da cintura. O azé, seu asó-ìko (roupa de palha), é uma saia de palha da costa que vai até os pés em alguns casos. Em outros, acima dos joelhos, por baixo desta saia, vai um xokotô, espécie de calça, também chamado "cauçulu", em que oculta o mistério da morte e do renascimento. Nesta vestimenta, acompanham algumas cabaças penduradas, onde carrega seus remédios. A palha da costa é mais encontrada no norte do Brasil.

No Brasil, a festa anual é o Olubajé (Comer a comida do senhor). São feitas e distribuídas no mínimo nove iguarias da culinária africana (comida ritual), seus "filhos" devidamente incorporados e paramentados oferecem aos convidados e assistentes, em folhas de mamona ilará ou bananeira (aguede), no sentido de prolongar a vida e trazer saúde.


O sincretismo de Obaluaiê com São Roque

São Roque tem sua biografia cercada de dados imprecisos, mas; sabe-se que nasceu e faleceu em Montpellier (França) onde viveu entre 1295 a 1327. Roque era filho de um rico mercador e herdou sua fortuna, a qual; distribuiu aos pobres quando chegou a maioridade. São Roque então deixou os estudos de medicina e passou a praticar o atendimento aos necessitados, realizando diversos milagres. Teve grande atuação em diversas cidades que apresentavam foco da peste negra, para onde se dirigia a fim de curar os doentes. Assim, São Roque contraiu também a peste, e para não contaminar outros isolou-se na floresta, onde teria sido salvo por um cão que levou pão, matando sua fome.

A São Roque são atribuídos diversos milagres na cura de doenças contagiosas, cura de animais, sendo patrono dos cirurgiões. A razão do sincretismo com o orixá Obaluaiê está nos feitos de cura milagrosos realizados pelo santo durante sua vida. São Roque é homenageado na Igreja Católica em 16 de agosto quando Obaluaiê é reverenciado nas Casas de Umbanda.


Fontes:

Crenças e fé: Umbanda: Obaluaê a pipoca e o mês de agosto https://www.sabecaxias.com.br/?p=56022

Orixá de Agosto - https://www.otempo.com.br/o-tempo-contagem/orixa-de-agosto-1.27108

O Sincretismo de Omulu Obaluaiê com São Lázaro e São Roque https://www.raizesespirituais.com.br/o-sincretismo-de-omulu-obaluae/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Obaluai%C3%AA

https://pt.wikipedia.org/wiki/Xapan%C3%A3

https://pt.wikipedia.org/wiki/Sapat%C3%A1

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

A Umbanda em Guarapari - A História de Maria José

Na decada de 60 surgiu no cenario umbandista uma outra figura que foi tambem de vital importancia para o crescimento da Umbanda Sagrada em Guarapari. Atraves dela varios filhos de fe encontraram o caminho da Espiritualidade e ascenderam um degrau na escala evolutiva das criaturas humanas. Trata-se de Maria Jose´ Coutinho Santos, professora conhecida na cidade que, movida por uma admiravel impetuosidade guerreira, iniciou um trabalho espiritual que a tornou mais conhecida ainda.


Maria Jose´ Coutinho, espiritossantense nascida em Anchieta, cidade vizinha de Guarapari, ficou orfa dos pais aos quinze anos de idade e logo cedo precisou assumir as redeas na educaçao dos seis irmaos mais novos.

Sua vida, cheia de provaçoes e luta pelo bem estar da familia, teve momentos de grande angustia e desespero numa epoca em que os recursos financeiros eram limitados. Grande parte da populaçao encontrava na pesca a sua forma de sobrevivencia.

Ao ver-se debaixo da responsabilidade de cuidar dos irmaos, foi lecionar e, com sacrificios, criou e educou a todos com rigor de pai e amor de mae. Devido `a pesada tarefa que a Providencia lhe outorgou, adquiriu um temperamento forte e decidido. Passou a ser uma mulher que nao se dobrava facilmente diante das ventanias e tempestades que surgiam de repente.
Maria Jose´ Coutinho desempenhava o papel de pai e mae de todos os irmaos - o que lhe deu a alcunha de "Mana", como e´ conhecida ate´ hoje - e ao mesmo tempo labutava na profissao de professora. Alem da caracteristica rigorosa alcançada no trato diario com os irmaos, Maria Jose´ aplicava ainda os ensinamentos cristaos que recebeu em colegio dirigido por freiras catolicas os quais estavam gravados em sua educaçao. Casou-se com o Sr. Otavio dos Santos e continuou no magisterio por muitos anos seguidos. Nesta epoca, o casal morava numa residencia proxima `a fonte que os jesuitas haviam construido no periodo da colonizaçao do Brasil.

Mesmo trabalhando no desenvolvimento intelectual e fisico dos irmaos `a base de muita luta e exercendo sua autoridade, Maria Jose´ Coutinho Santos mantinha o coraçao mole e se derretia de compaixao pelo proximo quando este sofria alguma injustiça. Assim, seu instinto materno aflorava quase que constantemente.

Aconteceu certa vez que uma amiga de infancia, que tambem havia saido de Anchieta em busca de uma vida melhor em Guarapari, foi expulsa da casa de uma cunhada de maneira indigna. A moça, cujo nome era Leonor Maria Gomes, e sua irma Maria da Penha, moravam na casa de um outro irmao que ja´ era casado. Depois de uma discussao, a cunhada de Leonor apanhou suas roupas e de sua irma e lançou na rua expulsando-as da residencia. Ao saber o que se passou com a amiga, Maria Jose´ foi ao seu socorro imediatamente. Diante da situaçao, a "Mana" resolveu traze-la para dentro de sua casa e dar-lhe abrigo.

Maria Jose´ explicou para Leonor que nao tinha condiçoes financeiras de cuidar das duas irmas, mesmo porque o seu marido estava desempregado na epoca. Maria da Penha, portanto, foi morar em casa de outra amiga enquanto Leonor Maria Gomes foi abrigada por Maria Jose´. Leonor ficou sob os cuidados de Maria Jose por muito tempo - ate´ o seu casamento com o pedreiro Placidino Marques - e, nesse periodo trabalhou costurando roupas sob encomenda. Porem, apesar de tragico, aquele incidente foi primordial para o desenrolar da vida espiritual das duas amigas de infancia.

Foi no exercicio do magisterio de Maria Jose´ que a Espiritualidade começou a conduzir a vida da anchietense em direçao a um desfecho benefico para a Religiao de Umbanda.

Maria Jose´, a "Mana", ja´ estava ministrando aulas ha´ dez anos quando, inexperadamente, perdeu a voz em plena sala de aula. Preocupada, buscou socorro atraves de varios medicos que a examinaram e nao conseguiram encontrar o motivo de tal enfermidade. Durante meses, Maria Jose´ permaneceu afonica ate´ que Leonor, sua antiga inquilina, soube que um famoso medium estava visitando o Espirito Santo e realizava curas milagrosas. Leonor sugeriu que a professora fosse ao encontro do medium para uma consulta. Maria Jose´ escreveu num papel que se a coisa fosse relacionada a Espiritos ela nao aceitaria. Apos insistencia da amiga, Maria Jose cedeu e viajou ate´ `a capital onde estava o medium.

No principio dos anos 60, Maria Jose´ encontrou-se com o medium que, em transe, aplicou-lhe um passe e determinou que ja´ estava curada. Maria Jose´ voltou a falar instantaneamente.

Depois desse episodio, a vida de Maria Jose tomou novo rumo. Apesar de toda a educaçao catolica recebida, interessou-se pelo mundo dos Espiritos, algo tao fortemente combatido na epoca. Adquiriu literatura espirita e "encontrou a verdade", conforme suas palavras. Foi nesse periodo que a professora realizou mais uma caridade que teve grande impacto em sua vida.

Sabendo que o Caboclo Sucupira, Espirito que vinha realizando grande trabalho na cidade atraves de Anna Castro Martins, nao tinha um lugar fixo para fazer atendimentos, Maria Jose cedeu a cozinha de sua casa para que Anna pudesse "dar passagem" ao Caboclo. Curiosa, Maria Jose´ ficava observando todas as coisas enquanto o Caboclo trabalhava. As sessoes em casa de Maria Jose´ tornaram-se comuns e mais e mais pessoas buscavam socorro nas consultas com o Caboclo Sucupira. E a professora, entusiasmada e feliz, continuava observando com admiraçao.

Leonor, agora casada e dona de uma pensao no Centro da cidade de Guarapari, apresentou a Maria Jose uma hospede carioca chamada Maria Angelica Brandao, conhecida pela alcunha de "Mae Liquinha".
Vigorosa, e dona de uma voz potente, Mae Liquinha recebeu a incorporaçao do Espirito Pai Joao e passou algumas orientaçoes `a estupefacta Maria Jose´. Disse que sob sua responsabilidade, deveria abrir um Centro de Umbanda, pois nao era bom continuar recebendo Espiritos em casa. Um lugar especifico para isso tinha que ser preparado. Maria Jose´ explicou que nao sabia de tal gravidade, mas que logo providenciaria um outro cantinho para que os Espiritos pudessem fazer a caridade.

Pai Joao entao passou todas as determinaçoes a respeito da vestimenta, das guias, do ritual e da composiçao do corpo mediunico. Maria Jose´ Coutinho participou da corrente tendo como Chefe Espiritual o Caboclo Arranca Toco, que baixava em outro medium do grupo.

Seguindo sempre as orientaçoes do Pai Joao, que vinha de tempos em tempos atraves das muitas vindas da carioca Mae Liquinha a Guarapari, Maria Jose seguia a jornada mediunica preparando-se para ser o grande baluarte da religiao que um dia iria se tornar.

Certo dia, o Pai Joao determinou que Maria Jose fosse `a capital Vitoria e trouxesse uma grande lista de material liturgico que iria precisar. Obediente, a pequena professora assim o fez e, no dia determinado para utilizaçao de todos os objetos, Maria Jose disse que nao podia participar da corrente por nao estar em condiçoes fisicas para isso. Pai Joao indagou-lhe quando estaria pronta e a data foi prorrogada para o dia do aniversario de Maria Jose´.
Proximo `a casa de Maria Jose´, no bairro Ipiranga, havia uma pequena casa de madeira, de sua propriedade, que estava abandonada. Provisoriamente foi escolhida aquela cabana para ser o local onde as Giras deveriam acontecer regularmente.

E, la´ estavam todos reunidos, no dia 20 de março de 1964, conforme determinado anteriormente, quando o Pai Joao manifestou-se e conclamou ao Caboclo Pena Verde, Guia de Maria Jose´, que se fizesse presente no recinto.

Maria Jose´ Coutinho Santos recebeu a incorporaçao do Caboclo e, quando voltou a si, recebeu os parabens e a imediata noticia de que a partir daquele dia seria chamada por todos os mediuns de Mae de Santo do Templo Espirita Caboclo Pena Verde.

A reaçao de Maria Jose foi de completo espanto e medo, pois nao imaginava de forma alguma que tal responsabilidade seria designada para ela, uma simples curiosa da nova religiao espiritualista. Como disse, em entrevista, Maria Jose´ pensou que todo o material ritualistico e aquela preparaçao do que viria a ser um terreiro seria designado para que Anna Castro pudesse trabalhar com o Caboclo Sucupira.

Apesar de todo o espanto, a professora aceitou a missao e resolveu tocar adiante o que a Espiritualidade Maior havia reservado para ela. Assim, de forma simples e nova, Maria Jose´ Coutinho Santos, a catolica educada em colegio de freiras, abraçou definitivamente a nova religiao e deu prosseguimento aos trabalhos espirituais do Templo Espirita Caboclo Pena Verde.

Como e´ comum em se tratando de Umbanda, o inicio da jornada caritativa do Templo Espirita Caboclo Pena Verde nao foi muito facil. Primeiramente vieram as perseguiçoes e acusaçoes contra a propria Maria Jose´. Logo no começo, a nova Chefe de Terreiro recebeu a visita do padre da cidade. Conhecido de todos os moradores, o padre - cujo nome nao convem citar - indagou a Maria Jose´ se ela nao imaginava que estava cometendo um ato pecaminoso contra as leis divinas, pois a Igreja condenava as praticas chamadas na epoca de espiritas (uma alusao ao Espiritismo). Sem ser arrogante, a professora deu respostas `a altura e o padre nao tocou mais no assunto. Concomitantemente, tambem surgiram intrigas e falatorios sobre a atitude de Maria Jose´ em montar um "centro espirita".

Contudo, `a medida que mais pessoas se juntavam ao coro de falastroes, mais o centro ganhava espaço na cidade e mais mediuns se juntavam `a corrente liderada por Maria Jose´. Parentes e amigos que demonstravam alguns sinais de mediunidade se uniam a ela e logo mandavam confeccionar a roupa branca para participar da corrente e desenvolver a mediunidade. Participaram dessa corrente de Maria Jose´ a amiga Leonor Maria Gomes e seu marido Placidino Marques, bem como o ja´ conhecido Huascar Correa Cruz, acompanhado de sua esposa.

Incitados por Huascar, os mediuns e a Mae de Santo Maria Jose´ Coutinho idealizaram entao a construçao de um novo templo. O pequeno barraco de madeira ja´ nao comportava mais as pessoas que buscavam a ajuda da Espiritualidade. Era preciso fazer algo para solucionar o problema. Como Maria Jose´ possuia um grande pedaço de terra ainda sem utilizaçao perto do terreiro de Umbanda, ficou definido que ali deveria ser construida a nova sede do Templo Espirita Caboclo Pena Verde.

Definido o projeto, tiveram entao inicio os trabalhos de construçao do novo templo. Os mediuns se juntaram, cada qual com sua participaçao e sua maneira de ajudar, e em uniao levantaram as paredes do terreiro.

A obra seguiu a passos largos e, finalmente, em 1967 foi inaugurada a Nova Sede do Templo Espirita Caboclo Pena Verde. Uma grande construçao em alvenaria que permanece de pe´ ate´ os dias de hoje. Um grande terreiro cujo altar acompanha a grandiosidade da obra, com um espaço local para assistentes, vestiarios masculinos e femininos, bem como de uma cozinha erguida para utilizaçao apenas das coisas do terreiro, uma sala para oraçao `as Santas Almas, chamada de "Cativeiro" e um terreiro em miniatura para as consultas particulares com a Mae Cambina.

O Templo Espirita Caboclo Pena Verde ganhou notoriedade no municipio, pois estabeleceu-se e ganhou estatura. Tornou-se o maior Centro erguido na cidade, desde entao. A corrente fortaleceu-se e muitos mediuns desenvolveram seus dons no espaço sagrado do Templo.

A visita de outros mediuns e de outros pequenos terreiros eram constantes, principalmente nos dias de Gira Festiva. Nas festas dedicadas aos Orixas, o Templo ficava abarrotado e os atabaques soavam com jubilo. Nas festas da Ibejada, quando balas e doces eram distribuidas, filas enormes se faziam do lado de fora do Templo.

Mediuns masculinos e femininos se desenvolviam, ficavam fortalecidos e trabalhavam na caridade. Uma delas inclusive recebeu a missao de erguer um outro templo umbandista e chefiar sua propria corrente. Foi inclusive a propria Mae Liquinha quem a preparou para tao grande tarefa. Trata-se da amiga de Maria Jose´, a anchietense Leonor Maria.

Outros mais que tambem foram separados pela Espiritualidade Maior para desempenharem a ardua tarefa de dirigirem um grupo de mediuns se desligaram do Templo Pena Verde e abriram portas em outros lugares.

Muitos nao compreendiam a saida desses mediuns e, vez por outra, surgiam comentarios maldosos a respeito dos dissidentes.

A Mae Maria Jose´, por sua vez, acabava sendo alvo de intrigas e fofocas.

O Templo Espirita Caboclo Pena Verde, sob a Chefia de Maria Jose´ procurou guardar todas as orientaçoes dadas pela Mae Liquinha. O ritual de abertura com seus pontos cantados, corimba, saudaçao `as Sete Linhas, saudaçao ao Conga´ (bate-cabeça), cruzamento com o Chefe e danças gestuais continuaram no mesmo ritmo e no mesmo padrao instituido pela Mae de Santo carioca.

Os mediuns sempre obedeceram `a risca o que o Caboclo Pena Verde e o que o Sr. Ogum Beira-Mar determinaram para as Giras. Banhos, resguardos, obrigaçoes, visitas a outros templos, giras festivas, comidas e outros rituais nunca deixaram de passar pelo crivo dos Guias Mentores do Templo.

Permanecendo num continuo padrao, apenas sofreu algumas poucas e necessarias reformas a estrutura do Templo, que durante mais quatro decadas recebeu pinturas e renovaçoes. Durante as decadas que ia se passando, o Conga´ e alguns outros ambientes do Terreiro receberam modificaçoes necessarias e uteis. Mas, a essencia do que se propunha o Templo do Caboclo Pena Verde nao sofreu mudanças.

Uma sala reservada para o Povo Cigano foi especialmente preparada e decorada com tapetes, almofadas, simbolos, imagens e outros apetrechos ciganos. Uma tenda foi erguida dentro da sala, onde, ocasionalmente manifesta-se a Cigana que trabalha no Pena Verde.

Em 1989, uma grande festa foi organizada para comemorar o Jubileu de Prata do Templo Espirita Caboclo Pena Verde. Numa grande Gira festiva que lotou todo o terreiro, os mediuns se reuniram numa so´ voz para entoar o Hino do Pena Verde que foi criado especialmente para as Bodas de Prata.

Maria José desencarnou no dia 17 de janeiro de 2022, depois de mais 60 anos dedicados à Religião de Umbanda. O Templo de Umbanda fundado pela professora passou a ser dirigido pelo seu neto Delson Igreja.