Guarapari, pequena cidade litoranea situada `as margens do Oceano Atlantico, no Estado do Espirito Santo, tem nas areias monaziticas seu atrativo para turistas que procuram tratamento para reumatismos. Turistas oriundos de diversas partes do Brasil e do exterior que buscam nas chamadas areias pretas, a cura para seus problemas de saude. Devido a isto, recebeu a alcunha de Cidade Saude.
Guarapari, desde o inicio do seculo XX vem recebendo muitos turistas que saem do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo para visitar suas praias mais famosas, tais como a Praia da Areia Preta, Praia das Castanheiras e Praia do Morro. Muitos deles chegam a fixar residencia permanente ou adquirem algum imóvel para garantir sua estadia nas temporadas de maior fluxo, como no verão e nas ferias de julho.
Guarapari, assim como Anchieta, foi palco do trabalho evangelizador de Padre Jose Anchieta, na época da colonização do Brasil. Como a cidade fica na rota de acesso entre Anchieta e Vila Velha, antiga capital do Estado do Espirito Santo, inevitavelmente o padre passava pela Vila de Guaraparim e ensinava os preceitos católicos aos indígenas.
Ate 1950, o acesso ao centro da cidade só era possível através de balsa, pois ainda não havia ponte. A partir da construção da ponte de Guarapari, a cidade passou a receber maior quantidade de turistas e o trajeto ate Anchieta foi usado com mais frequência.
Sendo uma cidade tipicamente católica - com exceção de uns poucos protestantes batistas e luteranos - a população do inicio do seculo não via com bons olhos a chegada de uma nova crença que envolvia o contato com os seres espirituais. A Umbanda foi chegando de forma vagarosa na cidade e os médiuns que abraçaram a Novel Religião não podiam se expor, tamanha era a discriminação que sofriam.
As primeiras noticias sobre a chegada da Umbanda em Guarapari reporta-nos à década de 30, quando então uma pessoa muito conhecida da cidade desempenhou papel importante na divulgação e na expansão da fé umbandista.
Huascar Correa Cruz, contava com quinze anos de idade quando iniciou os primeiros passos na senda do eminente ritual espiritual que no Rio de Janeiro foi denominado de Umbanda. Até então, o jovem adolescente havia sido criado debaixo de todos os dogmas católicos. Aos 10 anos de idade já era Coroinha da Igreja de São Pedro, em Cachoeiro do Itapemirim-ES. Ainda em tenra idade começou a nutrir um desejo pio de tornar-se Sacerdote da Igreja. Porem foi rechaçado e impedido de ingressar nos estudos, quando da entrevista com os clérigos responsáveis pela matricula de novos alunos no seminário. Suas ideias e seus questionamentos, avançados para a época, causaram rebuliço e um deles comentou inclusive: "Este menino tem um pensamento que vai acabar dando trabalho..."
Depois disso, Huascar entrou numa especie de ostracismo espiritual - segundo suas palavras - que o deixou muito desanimado e desiludido. Contudo, os Espíritos tinham outra missão para o jovem rapaz.
Certo dia, com quinze anos de idade, foi levado por um amigo a uma pequena casa de estuque e cobertura de palha, na cidade de Vila Velha-ES. Naquela choupana as pessoas recebiam uns Espíritos que diziam ser de caboclos brasileiros e velhos escravos. Huascar foi à sessão e passou a observar o que acontecia.
O rapaz, espantado com a visão, ouviu atento `a preleção do "Caboclo" e fitou os olhos num homem sentado num banquinho e fumando um cachimbo. Era um Preto Velho que viu o rapaz e dirigiu-lhe a palavra:
" - Sunce ta´ mangando de Preto Velho, mi zinfio?"
Ao que respondeu:
" - Não, Preto Velho."
O Preto Velho retrucou:
" - Ta´, sim. Preto Velho vai lhe dar uma lição."
Terminada a sessão, Huascar despediu-se do amigo e foi embora para casa. No caminho, próximo a uma esquina, avistou um vulto que o fez ficar arrepiado. Quanto mais se aproximava, mais os cabelos de sua nuca eriçavam. Ao chegar em frente ao vulto, visualizou um velho negro que lhe perguntou:
" - Sunce ta´ lembrando de Preto Velho, mi zinfio?"
O rapaz reconheceu a voz da Entidade que havia conversado com ele horas antes e, assustado com o fato, saiu em disparada sem olhar para trás.
O encontro inusitado com a Entidade porem despertou-lhe a curiosidade e o interesse em buscar mais informações sobre aquele Ritual da pequena choupana e, assim, passou a ser um estudioso da Doutrina dos Espíritos e da nova religião chamada Umbanda. Tornou-se um frequentador das reuniões espiritas que ocorriam num Centro de Espiritismo em Vila Velha e na choupana do Preto Velho.
Logo tornou-se um membro da corrente espiritual e, em pouco tempo, ja´ estava servindo de aparelho para uma Preta Velha que descia no terreiro e se utilizava de suas faculdades mediúnicas.
Huascar Correa Cruz, iniciou então um processo de estudos da Doutrina Espirita e dedicou grande parte deles `a leitura e analise d'O Livro dos Espíritos, d'O Evangelho Segundo o Espiritismo e d'O Livro dos Médiuns, de autoria de Allan Kardec.
Adquiriu também um livro raro chamado O Evangelho de Umbanda, o que lhe deu os conhecimentos necessários para o trabalho que deveria realizar em prol da Umbanda.
Huascar Correa Cruz tornou-se, em pouco tempo, um valoroso trabalhador da Seara de Umbanda Sagrada. Desde o primeiro encontro, em 1931, com o Preto Velho que mudou sua maneira de ver a Espiritualidade, pesquisava as coisas do Mundo Espiritual e procurava aplicar em seu dia-a-dia.
Certa vez, ja´ nos idos de 1938, foi visitar a casa de um homem que dizia estar "incorporado" com uma Entidade e que cobrava mil reis por cada consulta realizada. Antes porem, todos os interessados deveriam pagar o direito de entrada, que custava na época, dois mil reis.
Huascar cumpriu o protocolo e entrou no recinto. Ao encontrar-se com o homem supostamente mediunizado, encheu-se de autoridade e determinou que ele parasse com aquela pantomima, ja´ que tudo nao passava de uma pura e ingenua mistificaçao. Condenou-o tambem por nao cumprir as ordenanças da Espiritualidade que nao aceita o pagamento pela prestaçao da caridade. A confusao foi instalada no lugar e o homem acabou por fechar o consultorio.
Envolvido com a Espiritualidade e comprometido com a divulgaçao e expansao da nova religiao, Huascar fundou o Primeiro Centro de Umbanda em Guarapari, chamado Centro de Irradiaçao Espiritual do Himalaia. O Centro ficava no alto de uma pedra, na entrada da Cidade, onde hoje esta localizada a cabeceira da ponte de acesso ao Centro do Municipio.
Abastado, Huascar ergueu um muro de arrimo na encosta da pedra e ali levantou as paredes do Centro de Umbanda que serviu de inspiraçao para tantos outros que seriam construidos a seguir. Estava lançada assim, a Pedra Fundamental da Umbanda em Guarapari.
Apesar de todo o esforço empreendido em favor da Religiao, Huascar viu seu trabalho sofrer uma grande perda quando, por volta de 1950, o processo de desenvolvimento urbano de Guarapari forçou-o a ceder o local onde estava instalado o Centro de Irradiaçao Espiritual do Himalaia para instalaçao da cabeceira da Ponte que ia ligar o bairro de Muquiçaba ao Centro da cidade. E, desta forma, aconteceu o inevitavel. O primeiro templo umbandista foi derrubado para que o progresso atingisse o Municipio. Foi por essa ocasiao que o Sr. Huascar teve o primeiro encontro com uma outra via espiritual que o deixou deveras encantado. Em 1953, numa viagem que fazia a Belo Horizonte, conheceu o Mestre Sevananda (leia-se Sevanhanda) que naquela epoca era Patriarca da Igreja Expectante. A admiraçao que sentiu foi tao grande que decidiu conhecer mais a fundo a doutrina da igreja e sua filosofia. Em 54 visitou o Monasterio AMO PAX, e adquiriu novos conhecimentos espirituais e esotericos.
Mesmo encantado com a Igreja Expectante, Huascar nao abandonou de imediato a Umbanda, mas continuou a militar dando passagem `as Entidades, trabalhando e realizando palestras em terreiros de Guarapari. Fez questao de denunciar os abusos cometidos em nome da Religiao tais como a comercializaçao dos dons mediunicos, a mistura exagerada com os ritos de outras crenças e a falta de postura de certos mediuns que se diziam estar incorporados pelos Guias. Observando o que acontecia com as casas de Umbanda que adotavam o uso de atabaques e outras ritualisticas africanistas, criou o termo pejorativo "Umbandomble´". Porem, em 1970, Huascar Correa Cruz tornou-se Patriarca da Igreja Expectante logo apos o falecimento de seu Mestre Sevananda, encerrando definitivamente sua passagem pela Umbanda Sagrada.